Custa saber o que é importante nesta vida, a acontecer todos os dias dentro e fora de nós. Dentro de nós há um universo biológico, fisiológico, neurológico e por aí fora que como os nomes indicam todos são lógicos dai se dizer que enquanto máquinas somos verdadeiros relógio suíços mas daqueles mesmo suíços, a que se dava corda e se ouvia o tic-tac constante e não "made in China", porque aí tudo começa a falhar dentro de nós, com um prazo de validade muito curto.
Depois existem os pensamentos, os comportamentos, as emoções e no topo os sentimentos, que também estão todos dentro de nós e nos definem enquanto seres humanos, mobilizando-nos em cada dia para as metas por nós traçadas. Os valores intrínsecos do nosso ser, da nossa humanidade e as paixões movem a nossa vida.
Podemos viver uma grande parte da nossa vida com certezas quase absolutas, tranquilizantes, securizantes porque colocam limites que definem por onde podemos andar e nunca nos deixam perto de abismos, nem de lugares escuros, mas um dia...
Um dia acordamos e não sabemos o que está a acontecer. Tudo o que era seguro, constante, organizador foi-se.
Olhamos para o espelho e nem sabemos como falar com o ser humano que está do outro lado, quanto mais reconhecê-lo. Queremos perceber a realidade interna e externa e estamos à nora, oficialmente à toa. Aí recorremos às nossas pessoas, amigos, família, para nos ajudarem a perceber o que está a acontecer, para nos ajudar a voltar ao trilho seguro, mas nada, nem ninguém vai conseguir.
Teremos de ser nós a reinventar-nos, a dar passos que nunca demos, a questionar o até então inquestionável, a lutar todos os dias com o medo do desconhecido. Não é fácil, às vezes é aterrador porque voltámos a ter 4 anos e medo do escuro. Então queremos alguém que nos abrace ou nos dê a mão e diga: vai ficar tudo bem, estou aqui.
É neste período da vida que temos de contar com o que temos cá dentro de património afetivo, para servir de material de construção para esta nova parte do nosso Eu, que parece emergir do desconhecido. Seremos pessoas melhores, mais consistentes, não faço a mínima ideia, porque ainda estou no caminho do desconhecido.
Se acredito em mim? Tudo até à pouco tempo atrás me faria dar a resposta sim, mas hoje nem isso sei. Sei coisas de mim que me definem, mas há muita área cinzenta. Se há um ano atrás me deixassem ver um filme com a minha vida agora, eu ia achar que estava a assistir a qualquer coisa surreal como um um quadro do Magritte ou do Dali, ia rir e dizer que aquela pessoa nunca seria eu.
Mas é aqui que estou e há coisas boas neste sítio. Há pessoas lindas, há sentimentos genuínos, há cores novas, há cheiros intensos como o do mar salgado, da relva acabada de cortar, do café acabado de fazer. Há coisas a fazer pela primeira vez que nos sabem bem e nem sabíamos que existam ou que gostávamos delas. Há um mundo escondido atrás daquele que conhecíamos. É diferente, às vezes entusiasmante às vezes assustador às vezes estranho.
E do outro lado do espelho continua aquela pessoa que ainda não reconheço e que não sabe bem para onde vai.
Só sei que vai, porque nunca deixou de ir.
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