terça-feira, 29 de julho de 2014

A Morte


A morte tem a sua forma de nos dizer para viver. A morte é escura como breu por isso deixa-nos sem sentido, à deriva, não temos como fazer para a perceber. Às vezes é um sono que se impõe e nos leva a um lugar desconhecido. 

Quando durmo morro, porque não sei para onde vou nem sei se vou voltar, mas é uma viagem que tenho de fazer, talvez porque acredite que vou, e depois volto bem.

Mas posso enganar-me se o sonho vem e é esmagado pelo pesadelo, do qual como na morte não encontro a saída. Corro e não chego a lado nenhum, grito e ninguém me ouve, a voz fica abafada no fundo da garganta, caio numa queda em que me vou esmagar e não tenho como evitar, a aflição invade-me e tento que algo ou alguém dentro de mim me desperte e me faça sair daquele sítio. 

E saio.  Daquele sítio saio, mesmo que volte lá muitas vezes, saio sempre, mas este é o sono lembras-te.

E a outra morte já a vi alguma vez? Pessoas mortas já vi, muitas, mais do que gostaria. Algumas são-me estranhas e por isso só me parecem numa outra espécie de sono, daquele que não tem volta. As que me são queridas não foram porque estão dentro de mim e recupero-as sempre que quero, continuam a gostar de mim e eu delas, o resto não interessa. Há sempre dor quando vão mas passa quando se esgota dentro de mim.

E é isto a morte? 
Não!

É gelo, é cinzento, é dor lancinante, são químicos a envenenar o rio, é cancro, é guerra, é mulheres a serem vendidas, é a dor de perder alguém, é negro, escuro,  é não encontrar saída para a dor, é violação de mulheres,  crianças, de homens.
É não encontrar o caminho para dentro de mim, é não ter sonhos, é viver sem ter brilho nos olhos, é não rir com alguém, é conformar-me, é não lutar.
É desespero, é ter fome e não ter que comer, é enlouquecer, é deitar-me numa cama à espera que o tempo passe por mim, é gente arrogante que olha através de mim
É um sítio frio onde o calor não chega, é um sítio feio, é um sítio que arranha e nos fere a pele, é uma ferida infectada que apodrece e tem cheiro pútrido, é uma árvore queimada que já não pode ser verde.

É estar sozinha e é também 
Não gostar!
Preciso de gostar para conseguir acreditar
Que da morte me posso afastar por ora.

Gostar de gente, de respirar, de correr, de rir, de chorar, de fazer amor, de me deitar rolar na terra e sujar-me
Gostar de ouvir o barulho do mar e nele entrar, de me sentar a uma mesa com amigos e deitar conversa fora, de dizer aos meus, a todos eles que os amo e me fazem falta
Gostar de fazer coisas, de trabalhar, de aprender sempre porque nada sei de tudo
Gostar de gente diferente, gostar de toda a música, de dançar descalça, de ler um livro, de dormir uma sesta, de sair de dia ou de noite, de correr, de viajar, conhecer sítios e pessoas, sair da minha zona de conforto, arriscar e Viver.

Por isso quero tudo, quero já, ontem já era tarde, quero que não me escape nada e que quando chorar seja por coisas que vivi, amei e perdi
Não quero nunca chorar pelo que podia ter vivido e não vivi, esse é o mais vil de todos os lutos, esse sim matar-me-ia.

E assim se chega ao fim e se percebe que é a existência da Morte que dá todo um sentido à Vida.



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